A.A.A.
Access All Areas




Estivemos à conversa com Um Corpo Estranho a propósito da edição de "Homem Delírio".

Fenther – Quem são e de onde vêm? As devidas apresentações...
Um Corpo Estranho – Somos dois miúdos simples que cresceram numa cidade periférica da capital. Amigos desde os nossos quinze, dezasseis anos, altura em que passávamos os dias agarrados às guitarras a tentar escrever coisas parecidas com os nossos heróis musicais. Na altura a internet era um rumor apenas. Não tínhamos telemóveis. Combinávamos uma hora e toda a gente aparecia. Tínhamos tribos, cada uma com a sua bandeira musical a defender. Mas ninguém se dava mal.
Depois crescemos e veio a vida com isso. O João foi para Lisboa e alternava entre um emprego de barman com a faculdade e o teatro académico e trabalhos de produção ligados à dança. O Pedro entre a vida de jovem dentista e músico, chegando a integrar a formação ao vivo dos Hands on Aproach. Dez ou doze anos depois reencontraram-se em Setúbal e decidiram começar a escrever canções juntos.

Fenther – Como definem o vosso som?
Um Corpo Estranho– Não sabemos bem. Nunca foi uma preocupação. Ouvimos muita coisa e cada um de nós tem influências, ou vai beber de fontes diversas. Podemos dizer que é folk, ou pop, que se inspira no fado ou no blues, mas achamos que isso é redutor e faz-nos mal enquanto escritores de canções. Além disso, não nos compete arrumar o que fazemos. O nosso papel é retirar o máximo do nosso caos interno e dar vida ás canções que já cá existem. O trabalho de encaixe, deixamo-lo para o público e para os meios de difusão, assim fazemos todos parte disto.

"Quisemo-nos desafiar para este disco. Não escrevemos canções a pensar em toca-las ao vivo."

Fenther – Podem descrever o vosso disco "Homem Delírio" em poucas palavras?
Um Corpo Estranho– Neste trabalho quisemos explorar um universo mais introspectivo e intimista. Ou talvez assim tenha saído por acaso. Deixámo-nos levar, talvez, pelo nosso lado mais poético e fomos beber ao surrealismo e ao teatro do absurdo, inventámos personagens e deixámos que os temas se envolvessem em camadas ambientais mais densas que nos discos anteriores.
Nesse sentido, as novas canções aproximaram-se ao contexto das bandas sonoras instrumentais que também editamos para as peças de teatro físico “O Homem Almofada” de Sylavin Peker, baseado na obra de Paula Rego, “A Velha Ampulheta” e “Qarib”, ambas criações de Ricardo Mondim.
As temáticas dos temas passeiam-se em metáforas sobre o passado, como é o caso de a guerra e a perda, abordadas em ou mesmo o dom de sonhar.

Fenther – A componente da imagem é o vosso terceiro elemento da banda?
Um Corpo Estranho– Talvez não seja tanto da nossa imagem pessoal, mas sim da dos discos ou dos videos. Tentamos sempre criar algum tipo de universo onde encaixar as canções. Nesse sentido, convidamos sempre algum artista plástico a criar algo sobre o que escrevemos. Gostamos de trabalhar dessa forma, a envolver pessoas e a convida-las a introduzir o que tiverem a dizer, precisamos desse input criativo.

Fenther – Ao vivo como se apresentam?
Um Corpo Estranho– Temos vários formatos. Sendo que Um Corpo Estranho é, fundamentalmente, um duo, é dessa forma que tocamos a maior parte das vezes. Mas temos vários tipos de espectáculo montado. Quando tocamos em banda os temas ganham outro corpo, namoramos mais a parcela de rock que por vezes deixamos de parte nos discos.
Também já tocámos em trio, depende muito do tipo de concerto que nos propomos a dar.
Normalmente, entre os dois, fica uma coisa muito densa, requer mais silêncio por parte do público. Mas também precisamos daquela energia que encontramos com a banda, num bar apinhado de gente aos gritos. Também isso está na nossa música.

"O nosso papel é retirar o máximo do nosso caos interno e dar vida ás canções que já cá existem."

Fenther – Para a apresentação do disco em Palmela o que vai acontecer?
Um Corpo Estranho– Quisemo-nos desafiar para este disco. Não escrevemos canções a pensar em toca-las ao vivo. Isso vem mais tarde. E Desta vez, visto que a música nos remete para os trabalhos anteriores que tínhamos feito para as peças do Ricardo (Ricardo Mondim), quisemo-nos por para fora da nossa zona de conforto e levar as canções e os nossos corpos para palco e pô-los a fazer parte de uma narrativa.
Neste sentido, estamos a trabalhar com o Ricardo na parte coreográfica, cénica, plástica, no fundo sobre o que já é uma coisa paralela ao disco. Estamos construir de raiz, sem estarmos muito presos à temática abordada nas letras. No palco, estamos a descobrir outros significados para as canções e a dar-lhes corpo, o qe é quase como se as estivéssemos a reescrever.

Fenther – E depois desta apresentação? Novas datas?
Um Corpo Estranho– Já temos algumas datas fechadas que anunciaremos em breve. Queremos levar o espectáculo ao maior número de cidades possível.

Fenther – Estado da música nacional? Que bandas recomendam?
Um Corpo Estranho– Pensamos que Portugal está de boa saúde no que toca à música. Estamos a viver numa época prolifica, e mesmo o que sai de mau é compensado pelo muito bom. Somos muito diferentes no que ouvimos, mas, assim de cabeça, gostamos muito do que os Best Youth estão a fazer pela música de dança, Os Diabo na Cruz pela continuação do trabalho de tronarem o “Malhão” e o bailinho algo vivo e actual, O Manel Cruz pela escrita acutilante e a música descomplexada. E depois temos os muito nossos, família da cidade que transborda talento, os Loosense, uma banda que põe o jazz e o funk a soar a algo novo, o nosso bardo Tio Rex, a nossa Celina da Piedade que nos traz aquele aroma alentejano sempre bem-vindo, e tantos outros que ainda estão em ebulição na cidade de Setúbal.

Fenther – Mensagem final...
Um Corpo Estranho– Oiçam o nosso disco. É o que nos deixa mais felizes, saber que as canções chegam às pessoas. É, também, o mais difícil. E obrigado a todos.

Vitor Pinto



      geral@fenther.net       Ficha Técnica     Fenther © 2006