
A TV ainda tem um papel muito importante na criação de referências culturais para as novas gerações. Apesar do papel crescente da Internet e dos media sociais, a TV (e em certa medida o Cinema) ainda é o trendsetter por excelência. Fenómenos como Violleta, One Direction ou mesmo Frozen, nascem dentro do universo televisivo, para depois se expandirem nas redes sociais e Internet. Mas em Portugal a TV está de costas voltadas para os jovens, especialmente pré-adolescente e adolescentes.
A oferta de canais não é problema, com os canais generalistas a manterem uma programação destinada aos mais novos nas manhãs de fim-de-semana e a oferta de cabo contemplar uma dezena de canais para diferentes idades, mas a realidade é que nenhuma destas ofertas aposta na produção nacional de séries ou animação. É impossível encontrar uma série infanto-juvenil (excluindo repetições) made in Portugal. Ou seja, as novas modas, as personagens referência são todas internacionais.
A situação torna-se grave na faixa a partir dos 10 anos. Para esta faixa etária, a oferta de canais é vasta (Nickelodeon, Disney, SIC K, Panda Biggs) e os conteúdos também. Mas a quase totalidade das séries são made in Hollywood (ou na América Latina como é o caso de Violetta) retratando jovens, cultura, hábitos, expressões que não são nossas mas que cada vez mais fazem parte do dia-a-dia dos nossos jovens.
Mais grave é o panorama do cinema nacional. O último filme que se pode considerar na categoria infanto-juvenil (ou que pelo menos possa ser visto por este público) financiado pelo nosso Instituto de Cinema (ICA) foi o “Adeus Pai” de 1996. Apenas 15 anos mais tarde surgiram o filme da colecção de livros “Uma Aventura” e o filme da série da TVI “Morangos com Açúcar”. Nestes casos, financiados por dinheiros privados. Muito pouco se queremos preservar a nossa cultura e identidade enquanto país e transmitir esses valores às novas gerações.
As consequências estão à vista. Os nossos jovens escolhem as séries infanto-juvenis importadas, aderem aos ídolos impostos por estes produtos, vão ver filmes produzidos fora deste rectângulo e conforme vão crescendo, os seus gostos e preferências audiovisuais mantém-se no produto norte-americano. Toda esta nova geração já não tem modelos nacionais. O estilo de vida, as referências culturais já não só nossas. E nunca voltarão a ser. Urge, por isso, debater e agir em defesa da língua portuguesa e da criação e produção de programas de base inteiramente nacionais.
É incrível que as entidades competentes se aleiem deste problema. Em 10 canais destinados a públicos jovens abertos na última década e disponíveis no cabo, nenhum deles, para obter a sua licença, viu ser requirido qualquer obrigatoriedade de produção de conteúdos nacionais visando a preservação da nossa cultura e história. É também estranho que em mais de 150 filmes de longa-metragem financiados pelo ICA nos últimos 20 anos, apenas 1 seja destinado a um público infanto-juvenil e que a RTP, que em tempos se afirmou como a TV de todos os Portugueses, não tenha qualquer programação para os jovens a partir dos 10 anos.
Nós, enquanto portugueses, indignamo-nos com muita coisa, incluindo contra um novo padre que é colocado numa paróquia conta a vontade da população local. Mas muitas vezes alheamo-nos de questões importantes como a nossa identidade enquanto país e na transmissão dessa identidade às novas gerações. Se calhar achamos piada que expressões como OMG, WTF e similares façam parte do léxico dos nossos jovens. Que falem com um sotaque californiano e saibam quem foi George Washington mas desconheçam quem foi D. Afonso Henriques.
Nuno Bernardo
Fundador e Director Geral da beActive
Pai, Autor e produtor de Cinema e TV nomeado três prémios Emmy e vencedor de dois prémios Kidscreen.

Beat Girl. Série de TV produzida por Nuno Bernardo e nomeada para um Kids Emmy, Nova Iorque, Fevereiro de 2014.