
Edite Amorim, Barcelona, 22 Outubro 15
Batem à porta e são outros. Outros que não viviam aqui e querem entrar. Outros
diferentes, que cheiram diferente, que batem à porta e querem entrar.
Batem porque lhes batem, querem entrar porque não têm lugar.
Batem à porta e são outros, diferentes dos que estavam, que entram onde nunca
estiveram, que saem de onde queriam ficar.
Bateram à porta. E abriu-se.
Bateram à porta e foram outros, os que abriram. Outros que não têm medo de
invasões, que não têm apegos ou fronteiras, que não se encolhem, que abrem as
mãos, que abrem emoções.
Bateram à porta e houve surpresa. Pela tanta gente que foge, pela tanta gente
que acolhe.
O país viu-se maior, de braços a chegarem longe, de gente a chegar mais perto.
Foram buscar-se pessoas, foram entregar-se casacos.
Circulam palavras que podiam ser casas inteiras, com sofás e camas para darem
descanso, com redes de embalar.
As almas viram mais longe, os corações mais perto; as razões presentes, claras,
óbvias. A vida humana e a humanidade inteira a salvar-se e a ser salva. Dois
movimentos num só, em vários povos, em todos ao mesmo tempo.
A dificuldade aproximou o diferente, os valores saltaram cercas, a realidade re-
concebeu-se, reconfigurou-se, reorganizou-se. E fez-se maior e com espaço para
todos e para tudo. Com espaço até para o impossível.
Partiram hoje dois camiões com agasalhos e comida para a Macedónia; partiram
há semanas outros tantos com conteúdo semelhante para a Croácia; organizam-
se instituições que serão casas futuras; trouxe-se uma família para morar perto
do mar.
As perguntas continuam: “como posso ajudar?”
E ouve-se neste canto de terra uma vontade de unir pedaços de mundo onde
caiba mais gente e onde se empurrem dificuldades com braços unidos.
Redescobre-se o poder. O poder de “fazer por”. O poder de mudar impossíveis. O
poder de unir esforço de um e de outro para amenizar o de quem agora não se
pode mais esforçar.
Este país pequeno, Portugal de nome e de alma, redescobriu na desgraça óbvia e
alheia uma força que o engrandeceu. Afastaram-se os pronomes possessivos,
conjugou-se tudo mais na primeira pessoa do plural. O “nós” ficou mais forte e
tudo ficou mais junto.
Há, na união de gente que esquece de que lado da porta está, uma enormidade de
energia que aproxima, une e agiganta o mundo que habita.
Bateram à porta. E abriu-se.
Edite Amorim, 22 Outubro'15
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