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Crónicas

Julho 2015


Pedaços de Pensar Grande
“Tantos corpos como casas”

Há muitos anos que os passos me levam por casas alheias.
Por casas de outros. Por vidas de outros. Por rotinas de outros.
Há muitos anos que é comum ganhar lugar em lençóis esticados em camas diferentes, pertencentes a gente distinta.

Em toda essa dança de passagens, algo comum: a convivência desde dentro com outras formas de viver, de organizar os dias, de fazer e sentir casa.

O passar dos anos, o olhar filtrado, a atenção aos detalhes vão construindo na minha percepção uma teia de corpos distintos e das formas como esses corpos deslizam quando estão no seu lugar mais privado: a sua casa.
Onde guarda cada um os talheres, o que faz mal acorda, onde pendura as toalhas, a que faz cheirar os espaços? Que sons inundam os seus dias, o que lhes decora as paredes? Quanto de cada um ocupa a casa que habita?
Como se faz uma pessoa no espaço que ocupa e como ocupa o espaço uma pessoa enquanto se faz ?

Nas diferentes casas encontram-se mundos inteiros. Mundos de sentir, mundos de vida inteira. Histórias vividas, sonhos por existir, desejos que só um sofá conhece, tristezas de que só uma cama ouviu falar.
Objetos-âncora aos quais se volta nos dias. Conforto em forma de fotografia, de moldura, de tecido.

A passagem por tantos lugares amplia o mundo de possibilidades.
Como se se percebesse que todas as formas de vida são possíveis e concretas. Como se se visse desde dentro a forma como cada corpo cresce e se ocupa do mundo no seu território privado.

Tantos corpos como casas. Tantas vidas como os lugares que habitam. Tantas diferenças como lugares percorridos.

E entre todas as diferenças e pedaços, o espaço comum do humano. Do humano com corpo fincado no seu chão, no solo que o abriga, onde cresce e desembrulha os dias.
A casa onde abriga o corpo, o corpo a que chama casa.
Tantos corpos como casas.

Edite Amorim, 14 Julho'15
www.thinking-big.com/blog

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