Crónicas

Fevereiro 2016


Pedaços de Pensar Grande
A entrega do tempo

Os dias são corridos e passados entre coisas tão várias como os estímulos que eles embalam. Multiplicam-se os afazeres, os “onde ires”, os “por cumprires”. Aglomeram-se como pinhões as necessidades de divisão do elástico tempo, que parece escorrer pelos dedos de mãos que nunca chegam para o contar.
Ainda assim, às vezes, alguém chega e pede. Pede ouvidos, ou tempo, ou atenção ou presença. Pede que estejamos, ali, a cem e sem pressa.
Um desabafo, uma partilha, uma conversa de alma ou uma confidência sentida; uma reflexão que chegou, uma voz que se quer ouvir alto. Um Eu que necessita a outro para nele se derramar em palavras, num momento que escape às horas.
A esses, a quem entrego sem dúvidas nem hesitações os ouvidos e a atenção, levo as palavras seguintes, em forma de carta fechada, aberta de tempo, aberta a tudo.

Nunca serão demais as vezes que me perca para te ouvir, para te sentir, para estar.
Nunca serão demais as vezes que me atrase, as vezes que me perca, as vezes que saia do caminho para ir ao teu encontro.
Nunca será demais o tempo que passe contigo, o tempo que passe sem que dê por ele, só por estar por ti, para ti.

Sejas um Amigo ou um amigo; sejas um desconhecido que quis falar, sejas um conhecido que se quer conhecer, sejas quem sejas, desde que venhas em missão de paz .
Trago até ti a paciência de cada dia e os ouvidos frescos ao que me queiras dizer.
Trago o tempo todo cheio de tempo para me sentar a ouvir, para ficar a sentir-te.
Darei como bem empregues todos os atrasos que isso me provoque, darei por bem servidos todos os bancos que usemos, sentirei que foi para esse momento que o meu existiu.
Só para te ouvir, só para estar ali.

Nunca será demais o tempo que gaste porque tu me pedes que assim seja, porque tu desejas que assim seja.
Fosse eu feita de horas e minutos, e entregar-tos-ia em forma de não-relógio, num objeto ficcionado que te chegasse ao coração.

O tempo é o meu ouro e a atenção é o meu diamante polido. É ele que te estendo a cada minuto em que fico ali, sentada, a olhar o que quer que venha, o que quer que esteja.
Pelo Humano que nos une, por ser esta a contemporaneidade que partilhamos, por sermos caminhantes lado a lado, num mesmo pedaço de terra. Por isso, só por isso e por isso mesmo.

Honrarei os pedaços que partilhamos, certa de que, seja o que for que deixe para trás ao fazer a opção de TI, será certa a troca, será certo o caminho.

Dou-te o meu tempo e ali fico, nele, contigo, a ouvir-te, sentir-te, falar-te, enquanto confiar que eu estar ali é tudo, e mesmo tudo o que eu posso fazer.

Fotografia by Miguel Marecos


Edite Amorim, 25 Fevereiro'16
www.thinking-big.com/blog

Mais Crónicas Fenther