Crónicas Janeiro 2016 Pedaços de Pensar Grande
Vazios ficam os dias quando só passam, sem mais...
“Sabes aquele dia em que nos cruzámos e acabámos num café a conversar uma hora, ao
sol? Estava perdido, e aquele sol com conversa trouxe-me uma bússola que ainda mantém o
norte...”
“Lembras-te daquele sorriso desconhecido que estendeste no café de bairro, num cruzar
casual e aleatório de olhares que se demoraram? Serviu-me de alavanca ao poço em que ia
metido, acendeu em mim um não-sei-quê de “é possível” e ficou a ecoar por horas, evitando
que a gravidade me continuasse a levar para lugares de onde é difícil sair.”
“Ainda és capaz de te lembrar das duas palavras que se formularam sem grande ensaio,
agrupadas sem cuidado, e que fizeste virem ter comigo antes de eu entrar naquela porta,
(que nem sabias o que continha por trás)? Sei que as palavras só vieram pela impaciência
ansiosa que me notaste, e que são fórmulas simples de animar estranhos, coisas que
costumam funcionar nos filmes. Mas, ainda que não saibas - porque nunca passámos de
estranhos que se tropeçam - essas palavras foram a companhia que eu precisava para o que
a porta escondia por trás, e o escudo que me permitiu lá permanecer.”
“Foi só uma forma de falar, foi só uma forma de fazer, foi só uma forma. Mas foi uma forma
que me permitiu, naquele momento, sentir que tinha um lugar, que era vista, e que eu
existia num mundo cá fora, mesmo que no meu mundo de dentro eu me estivesse a fazer
tão pequena que nem eu me via. Mas tu viste. E paraste e olhaste e acenaste e deixaste que
eu passasse primeiro, na porta de um metro a abarrotar, que de repente ganhou mais lugar
para o meu eu empurrado.”
Há frases, gestos e expressões que têm mais alcance do que mãos de gigante.
Mudar vidas não precisa de mudanças de vida. Mudar vidas necessita só de vidas mais
presentes, mais cientes de que os pequenos nadas podem ser grandes tudos naqueles com
quem se cruzam.
Há sempre alguém ao lado. Alguém do outro lado do mail, alguém do outro lado do
telefone, alguém do outro lado da rua, alguém do mesmo lado que nós: o humano. Alguém
a quem um gesto muda o momento, muda o dia, muda a vida.
Mudem-se vidas em dias normais, em dias em que, como em todos os outros, seja possível
mudar mundos sem mudar mais do que o lado do sorriso, a amplitude da mão que se
estende ou da atenção que se foca em quem anda mesmo ao lado.
Fotografia by Miguel Marecos
Edite Amorim, 22 Janeiro'16
Mudar vidas sem mudar de vida
Vazios ficam os dias que não fazem nascer esperanças ou que não recuperam tempestades
internas de outros que cruzam os passos com os que damos.
Parecem dias de horas soltas aqueles em que os olhos não se demoram noutros e não lhes
dizem “Eu vejo-te”; em que a cara não se desenha em sorriso numa interação que nem
conta pelo relógio.
Vazios ficam os dias em que não se dá tempo a mudar vidas com gestos, com presenças,
com paciências, com calor, com desafios, com ouvidos.
Gestos que dizem que nos vemos uns aos outros, que construímos teias e redes só por co-
existirmos; que nos fazemos uns aos outros por sermos espelhos de e para quem temos
diante.
“Olhei e vi-te. Vejo-te.” – E a sensação fica a ecoar...
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